Turismo - Etnografia

Usos e costumes

A revolução inevitável da electricidade, da televisão, do tractor, depressa alteraram costumes e modos de vida. Algumas das alfaias agrícolas começaram a ficar na prateleira, depressa apodreceram ou desapareceram e os seus usos estão também eles, logo envolvidos no esquecimento. As noites ao lume, à espera da ceia e depois aquecendo-se e em conversa, passam-se agora em frente da televisão.

As gentes moças não sabem décimas, não cantam, não fazem os bailes de pavilhão e dos arraiais.

Antes que tudo caia no esquecimento que nem os velhos se lembram de contar como foi, bom é que algo se registe do passado que vai morrendo, antes que seja demasiado tarde.


A Ocupação dos Dias

Desde muito cedo as crianças começavam a ajudar nas lides do campo. A maioria da população de mais de 65 anos era analfabeta. Uma das tarefas que lhes era confiada desde muito pequenos era, nas aldeias onde não havia pastor, a guarda do gado.

Muitas vezes aos 13 anos desempenhavam tarefas tão pesadas como os adultos.

Durante todo o ano, não só na agricultura mas em todas as profissões o trabalho desenvolvia-se de sol a sol.

No Verão como a jornada era muito longa, concediam-lhes a sesta; os trabalhadores jornaleiros paravam 2,30 ou 3 h. durante as horas de muito calor.

A longa duração da jornada de trabalho deu lugar a um sistema de cinco refeições:

A "dejua" antes dos trabalhadores saírem de casa e, antes do nascer do sol, era uma refeição muito ligeira e limitava-se à ingestão de um pedaço de pão ou até de frutos e aguardente.

O almoço, por volta das 9 ou 10 horas, era já uma refeição mais pesada.

Pelo meio dia e meia faziam o jantar, a refeição principal (sopa, papas, raramente carne ou peixe, pão, legumes, etc.) era quase sempre levada aos homens que trabalhavam longe de casa, pelas mulheres ou crianças e era uma refeição quente, ao contrário do almoço e da merenda.

Pela tarde havia a merenda, umas vezes era o resto do jantar, outras à base de pão e vinho.

Depois de virem do trabalho e pela noite preparavam a ceia, hortaliça cozida, sopa, papas, castanhas ou outros alimentos que ingeriam acabados de cozinhar.

Após a ceia, por vezes, ficavam em cavaqueiro nas varandas, nas ruas junto à soleira das portas no Verão; ou junto ao lume de Inverno.

Deitavam-se cedo para poupar o azeite da candeia e para se levantarem cedo no dia seguinte.

Apesar deste horário sobrecarregado ainda efectuavam durante certas épocas bailes à noite, mesmo durante a semana.

Nos Domingos e dias Santos, além da ida à missa, eram frequentes diversas realizações que cativavam o interesse das pessoas, como festas de arraial durante o Verão e bailes e outras representações.

Esta forma de viver transformou-se um pouco a partir da industrialização do Concelho e hoje, claro, é totalmente diferente.


Bailes / Festas e Romarias

Apesar do duro trabalho agrícola, os mais jovens ainda arranjavam forças para o seu pé de dança.

Durante o Inverno, os bailes eram feitos na casa de uma pessoa que cedia o "sobrado", os rapazes vinham das aldeias vizinhas, as raparigas eram acompanhadas pelas mães ou por alguém de família e parece que só podiam dançar quando o baile era na sua aldeia.

Um tocador de gaita, harmónio ou concertina animava a festa e na ausência deste, cantavam para terem música para dançar.

No Verão faziam o pavilhão pela altura dos Santos Populares. O pavilhão era um simples pau alto decorado, a que chamavam mastro, situava-se no centro de um terreno delimitado por paus enfeitados.

Por todo o Verão prolongavam-se as festas populares ao ar livre, cada aldeia fazia e faz a sua festa em honra de um Santo padroeiro.

A festa começa pelo meio dia com cerimónia litúrgica seguida de procissão e pela tarde seguiam-se os ranchos folclóricos e os bailaricos até altas horas da madrugada. Hoje tudo isto foi substituído pelo conjunto típico e por alguns artistas de variedades quantas vezes pouco conceituados – As famílias partiam cedo das suas aldeias para a aldeia onde se realizava a festa, transportavam as cestas com o farnel, os garrafões e as mantas.

As festas mais concorridas que mantêm algum sabor tradicional são as de Santo António da Neve e da Senhora da Guia.

As danças e cantares desta região têm sido divulgadas brilhantemente pelo Rancho Folclórico dos Neveiros do Coentral.


O Carnaval

Entrudo, como é chamado, é ainda a quadra mais festejada por novos e velhos, sendo vulgares os grupos de mascarados e ranchos que vindo das aldeias visitam a sede de Concelho.

A serração da velha era uma brincadeira que faziam aos mais idosos, juntando-se a rapaziada à porta fazendo barulho com latas e dizendo piadas. Eram vulgarmente uma vingança dos rapazes aos velhos mais embirrentos, aproveitando o facto de que "no carnaval ninguém leva a mal".

Cacada era outra das brincadeiras. Dentro de uma lata velha, latas e loiças quebradas (cacos) que de longe atiravam para dentro de uma casa, onde as pessoas desprevenidas se assustavam.

É porém, o enterro do entrudo que se realiza em Quarta-feira de cinzas que mantém toda a tradição e grande popularidade.

Atrás de um boneco de palha cheia de bombas de foguete e que é transportado numa padiola (maca), centenas de populares percorrem as ruas da vila, gritando como se estivessem chorando um ilustre morto. Chegados à Praça é ensaiado um discurso acusatório do Carnaval, findo o que o boneco é queimado numa fogueira entre o barulho das bombas rebentando.


Os jogos

Os jogos parecem não ter ocupado lugar de destaque na vida recreativa e cultural.

As crianças tinham os jogos comuns à maioria das crianças, como as escondidas, chamadas "rô-rô", o rapazito que tapava os olhos dizia: "Arronda, arronda quem quiser que se esconda"; a cabra-cega; o eixo ribaldeixo; os cinco cantinhos; o peão. O jogo do berlinde parece não ter tido importância.

Rapazes e homens têm a sua predilecção no jogo da malha, fito ou chinquilho; são discos metálicos, usando na sua falta pedras arredondadas, que eram atiradas à distância para derrubarem um pequeno fito.

Para o jogo da porca dispunham-se em círculo, cada um com um pau na mão, tendo na sua frente um pequeno buraco, ao centro da roda estava uma pinha, em substituição da bola, um rapaz ficava sem lugar e tentava por a pinha num dos buracos que os outros procuravam defender. Quando a bola (pinha) entrava, o que a deixava entrar, passava para o meio e tudo se repetia.

Para além destes jogos o pau e a bilharda.

Havia também, muito popular, no princípio do século, no Bolo, o jogo da bola.

No terreiro eram dispostos 9 fitos de madeira, com 20 cm e havia 4 bolas de madeira com 10 cm de diâmetro.

Os fitos eram dispostos em forma de quadrado, distanciados 15 cm entre si e apresentavam a seguinte configuração numerada:

9 8 7
6 5 4
3 2 1

O jogador colocado à distância de seis metros, lança as quatro bolas, uma de cada vez, a fim de derrubar os fitos.

Como cada fito tinha o seu valor, aquele que derrubasse mais, seria o vencedor.

Se com duas ou três bolas jogadas, já não houver fitos para derrubar, teria direito a que todos os fitos fossem de novo postos em pé, a fim de que possa jogar as bolas, que ainda tem, aumentando assim, dessa maneira, a sua classificação.

Jogado há cerca de 80 anos neste Concelho (Bolo).


Os Reis

O dia de Reis também não passava despercebido, embora não tivesse a tradição de outras regiões. Não era usada a expressão "cantar as Janeiras", mas antes de pedir os reis. Iam de porta em porta pedir os reis. Este pedido era entendido habitualmente, como um pedido de chouriças, a que as pessoas procuravam responder.

Em 1968 organizou-se um grupo que cantou as janeiras pelo Concelho a fim de angariar fundos para o Lar de S. José.


Natal

Esta quadra é vivida sem grandes diferenças dos hábitos beirões, onde e consoada, a missa do galo, o presépio e a árvore de Natal ocupam lugares figurativos centrais.

Em Castanheira é tradicional estar iluminada a Praça e em frente à Câmara arde um grosso madeiro, aceso na véspera de Natal, onde as pessoas se vêm aquecer e beber o seu copito de bagaço caseiro, sempre disponível por ali.

No dia de Natal e também no de Ano Novo há na Senhora da Guia a tradição de se leiloarem ofertas à Padroeira dos Lugarinhos. Estas ofertas, quase sempre de comidas e bebidas são depois consumidas comunitariamente em mesas postas no adro da Capela.


A Alimentação

Era feita apenas "do que havia em casa", produtos hortícolas e animais domésticos.

As castanhas eram o prato forte, comiam-se cruas, assadas, cozidas, piladas e em sopa (muito apreciadas). A sopa era também essencial, quando não era de castanhas era de feijão seco, ou a mistura de ambos, temperada de azeite e carne de porco e consoante a época do ano levava as verduras que havia, pois a região é fértil em legumes: grelos, couves, nabos, nabiças, feijão seco, favas, ervilhas, tomate, pepino, etc.

Muito importante era o cereal: o pão de milho, ou com mistura de centeio, que cada pessoa cozia no seu próprio forno ou num emprestado; e na vila cozia, no forno da poia. O pão durava pelo menos toda a semana, guardado na arca. O alimento mais vulgar pela abundância, rapidez e economia eram as papas.

Cada casa criava um ou dois porcos que matava pelo Natal, guardando a carne depois de preparada. Os pedaços maiores eram conservados na salgadeira e consumidos pelo Verão em diante. Dos pedaços pequenos, uns tinham um simples chouriço, outros eram misturados com farinha de centeio, fazendo o chouriço de massa e outros conservados em banha. As pás e os presuntos eram pendurados.

A carne de porco era quase sempre cozida na sopa. Como o chouriço de massa era grande, para não o gastarem todo, coziam-no em bocadinhos dentro de saquinhos de pano.

O azeite era usado como tempero, havia oliveiras com abundância apesar de em alguns anos a produção ser fraca.

As frutas eram as uvas, cresciam diferentes castas em abundância e sem necessitarem de tratamento. Das uvas fazia-se o vinho e aguardente e conservavam-se penduradas, comendo delas todo o ano já secas. Os figos e as ameixas eram comidos frescos ou em passas. As cerejas e marmelos eram comidos na altura e as maças e peros conservavam-se muito tempo.

Os medronhos usavam-se apenas na aguardente.

Dos seus rebanhos, maioritários de cabras, tiravam o leite que bebiam e faziam muitos queijos, guardando-os em potes de barro com azeite. As azeitonas conservavam-se em salmoura em potes e comia-se com pão.

Dos animais que possuíam, cabras, ovelhas, galinhas e porcos, apenas este tinha como destino a alimentação da família. Os outros eram vendidos, só quando alguém estava doente se fazia um "caldinho" de galinha.

De entre os peixes, a sardinha era muito apreciada, mas poucas vezes a comiam, pois tinham de as comprar; Diz-se que cada sardinha dava para três pessoas, comiam-nas assadas, temperadas com azeite e alho por vários dias. As enguias, barbos, trutas e outras espécies eram pescadas nos rios e ribeiras.

Na zona havia fartura de caça que apanhavam e comiam, mas quem perdesse muito tempo nesta actividade era considerado preguiçoso, pelos restantes membros da aldeia.

O mel era muito abundante na zona da serra, comiam-no, ora simples, ora misturado nas papas, tinha também uma função medicinal.

A qualidade do vinho mais abundante era o morangueiro.


Lojas, fornos e pátios

Em geral, as partes baixas das casas serviam para guardar não só os produtos alimentares, como as alfaias e outros bens.

As pipas do vinho em madeira; a "salgadeira", arca em que se guardava a carne de porco, morto por altura do Natal e que se conservava depois em arcas, salgada até ao ano seguinte. Igualmente em arcas se guardavam os cereais e as castanhas depois de secas.

As azeitonas de conserva, a banha e o azeite guardavam-se em talhas de barro.

As pás e os presuntos eram pendurados, a partir de Abril, depois de estarem muito tempo no sal e serem untados com azeite e colorau. Penduravam-se também as braças de alhos e cebolas.

Dentro dos muros das casas mais abastadas ficava ainda o forno de cozer o pão de milho ou centeio. O forno levava em geral, vinte broas ou mais, a parte superior era arredondada e a parte de baixo, o lar, era de barro; o forno era feito de barro e pedra molar.

As casas tinham um ou vários pátios, onde se guardavam as alfaias e carros de animais, quando havia, e onde de dia deambulavam os animais. Os pátios eram cobertos de latadas e o chão era de mato trazido das serras e que era necessário ir renovando. Os portões eram em madeira muito grandes cobertos por um telheiro, e fechavam-se com a "tramela" de madeira.

A maior ou menor complexidade dos pátios dependia do factor económico; havendo-os com várias construções para animais (currais) ou muito pequenos outros, pouco mais que uma passagem para a casa.


Eiras

Situando-se já fora da casa propriamente dita, mas com uma grande importância e de construção e localização propositadas, as eiras compunham-se em duas partes:

Uma casa abarracada para guardar os cereais e a parte do eirado em laje; onde se expunham ao sol os cereais e por isso a sua construção era em locais bem expostos ao sol.

Na altura das colheitas as pessoas passavam grande parte do tempo nas eiras, especialmente em Julho, finais de Agosto e Setembro, primeiro pela cultura do centeio e depois do milho, a mais importante.

Todas as pessoas se juntavam nas eiras para as descamisadas, isto é, tirar a folhagem ao milho.

De dia, o milho era transportado para a eira em "peceeiros", cesto grande sem asas, de transportar à cabeça ou às costas, ou em carros de bois.

De noite juntavam-se então para descamisar o milho e enquanto o faziam contavam histórias, cantavam e as crianças brincavam.

A lide continuava depois de feito este trabalho; era necessário por as espigas ao sol, para mais facilmente se separar o grão das espigas, malhando-se em seguida. Malhava-se com os moiais ou maiais, paus articulados que iam batendo no milho amontoado. Depois disto era necessário escasular o milho, tirar-lhe os grãos que não saiam com o pau do casulo, repetindo-se o ritual da escamisada.

O milho continuava por mais dois ou três dias na eira, até ficar com pouca humidade, finalmente tinham de o limpar ao vento, erguendo-o e depois procediam à sua medição com medidas de meio alqueire, medidas de madeira equivalente a sete litros.

Guardava-se em arcas quase sempre de carvalho, cuja capacidade aproximada era de um moio, 60 alqueires, 840 litros.

Passada a época das colheitas as eiras deixavam de ter animação, mas na parte da construção ficava guardada a palha e até frutas.


As Alfaias Agrícolas

Eram tão variadas que corremos o risco de esquecer a maior parte delas.

Para o trabalho da lavoura usava-se o sacho, e o ancinho de ferro; serviam para cavar e revolver as terras e o último para puxar e espalhar os estrumes.

O ancinho de pregos, gadanha, era de construção caseira e servia para fazer as paveias de agulha ou mato.

A forquilha, para carregar e descarregar os estrumes e matos.

A foice para ceifar e cortar a erva para os animais.

Para a preparação de lenha eram utilizadas serras e a burra de serrar, diferente da dos serradores, pois era constituída por um tronco muito comprido e levantado numa das pontas por outros dois paus servindo de pés. Os machados, as machadas e as podoas serviam para os trabalhos de madeira e lenha.

A crestadeira era uma faca recurva, usada pelos homens que exploravam o mel, para cortarem e retirarem os favos de dentro dos cortiços na cresta; esta tinha de ser cuidadosa para não privar as abelhas de alimento durante o período de Inverno.

Na eira usava-se o moial ou maial, para a palha dos cereais; era formada por dois paus articulados, por correias de cabedal, feita das sogas dos bois. O pau mais curto e mais grosso que batia era o pirto, em madeira de sobreiro mais macia para não se estragar, o pau mais comprido e delgado, no qual o malhador segurava e o imprimia o movimento, era a moeira.

O rodo era de dois tipos, um era constituído por um pau grosso e pesado para aplicar sobre a palha e outro mais leve e frágil para o ajudante do malhador manter o primeiro na posição adequada; servia para segurar o centeio ou outro cereal.

O rodo de rodar era um pedaço de tábua presa por um pau, de forma a facilitar o espalhar e juntar o milho, estando a pessoa em pé.

A roca e o fuso eram utilizados para fiar o linho ou a lã. A roca era feita com uma cana e o fuso com um pau, pelas próprias pessoas que os usavam.

Todas as mulheres fiavam diariamente, pela noite e muitas possuíam um pequeno tear manual.

in Monografia do Concelho de Castanheira de Pera

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